sábado, 26 de novembro de 2011

Dica de Filme: o Ano Passado em Marienbad - Alains Resnais(1961)

...desertos, sobrecarregados por adornos de outro seculo, salas silensiosas onde os passos de quem anda são abafados por tapetes tão pesados e espessos...que nenhum barulho chega ao seu ouvido...como se o ouvido de quem anda por esses corredores pelos salões e galerias da construcão de outro século...esse hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgubre...(Inaudível) onde corredores sem fim se sucedem a outros, silenciosos, desertos...sobrecarregados por adornos escuros, forros de madeira...tetos, painéis emoldurados, mármores, espelhos negros...quadros com tintas negras, colunas...molduras esculpidas, fileira de portas...galerias, corredores transversais... salas silenciosas onde os passos de quem anda são abafados por tapetes tão pesados e espessos...(inaudível)como se o chão ainda fosse de areia e pedregulho...onde ladrilhos de pedra por onde eu ia, mais uma vez por esses corredores... pelos salões e galerias da construcão de outro século....esse hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgrube...(inaudível) Por onde eu ia novamente, como se fosse ao seu encontro...por entre estas paredes revestidas de madeira...tetos, molduras, quadros, gravuras emolduradas por entre as quais eu vinha...por entre as quais já estava...eu mesmo...à sua espera...bem longe desse cenário onde me encontro agora...à sua frente, à espera daquele que não virá mais...que não poderá mais nos separar de novo...e tirá-la de mim...
Ela: é preciso esperar ainda...alguns minutos, mais que isso, uns segundos... Ele: mais uns segundos ainda, concordo...como se hesitasse ao se separar dele, de você mesma...como se sua silhueta cinzenta pudesse ainda aparecer...aqui mesmo onde você imaginou com tal ardor...tal receio ou esperança...por medo de perder esse laço fiel com...ela: não...Não...essa esperança... não faz mais sentido. O medo de perder tal laço, tal prisão, tal mentira...esse medo já passou. Agora essa história passou. Vai acabar...Ele: mais alguns segundos...e ficará cravada num passado de marmore...como essas estátuas e jardins...esse mesmo hotel e suas salas já desertas...seus personagens imóveis, mudos...mortos há muito tempo...e que ainda montavam guarda nos corredores...pelos quais eu ia ao seu encontro...entre duas fileiras de rostos imóveis, fixos, atentos...indiferentes desde sempre...você que talvez ainda hesite...olhando sempre a entrada desse jardim. PLlM, PLlM, PLlM! Pronto agora sou sua
Fecha o pano. A Platéia bate palmas.

O Ano Passado em Marienbad (1961)

 


Mais que apenas uma obra-prima, um magistral exemplar de Cinema-Arte, transcendo o mero rótulo orientador para um mercado de consumo de produtos cinematográficos, revelando-se um exercício de produção de arte usando o suporte do celulóide, da linguagem cinematográfica que este filme usa e na qual inova, este filme é seminal, e influenciou tantos outros ótimos filmes. 2001, Uma Odisséia no Espaço, Memento, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero ser John Malkovitch, O Iluminado, Mulholland Drive, e outros que ainda não vi, mas que implícita ou explicitamente homenageam este filme e bebem em sua fonte.

Mas e a história? Qual é a história deste filme? Ora, não é bem uma história, é algo mais parecido com um sonho, uma vaga lembrança. Em uma narrativa inovadora, lembrem-se que este filme é de 1961, Alain Resnais faz uma alegoria da memória, pelos escaninhos da memória, onde o tempo, o espaço, os diálogos, a identidade das pessoas se apresentam fragmentadas, distorcidas, vívidas e vagas, contraditórias e repetitivas, num jogo eterno de claro e escuro, que a hipnótica fotografia espelha. Este filme carece de uma sala escura e uma boa tela para melhor fruição, e nunca poderia ter sido feito em cores. 

Aviso logo que é um filme que não é para todos, e quem se arrisca aos seus 90 minutos tem que estar no estado de espírito certo para ser atingido pelo seu feitiço, pois é lento, repleto de um palavrório denso, repetitivo, caótico e o diretor não se dá ao menor trabalho de tornar a história mais compreensível. Mas quem gostar, pode assistir 20 vezes que ainda achará coisas novas não notadas antes. Eu só vi 3, mas outros já viram mais vezes e pelo que vi tenho razões para acreditar nos relatos.

Bem, vamos à história. A, elegantemente interpretada por Delphine Seyrig, acompanhada de M (Sacha Pitöeff), que pode ou não ser seu marido, estão em um suntuoso palácio-hotel em Marienbad, onde encontram outros aristocratas como eles, cultos e refinados em suas amenidades, entre eles X(Giorgio Albertazzi), que insistentemente tenta convencer A a fugir com ele. Marienbad pode ou não existir, A pode ou não ter encontrado X no passado. A pimeira vez que A e X se encontram A lhe pergunta se ele não a conhecia de seus sonhos, X não responde, em seus olhos se vê que não, mas seria um Deja vu, um sinal? X lembra de ter tido um caso com A, e de que combinaram se encontrar em Marienbad um ano depois para concretizar a fuga, mas A não o reconhece. Seria tudo isto imaginação de X? Seria um devaneio de M, enciumado, que imagina X, inexistente? Seria esta lembrança tão viva algo acontecido em outro lugar, com outra pessoa? Todas as possibilidades estão abertas. Embalados por uma música incidental sombria, proveniente de um órgão, uma arquitetura labiríntica e barroca, o desenrolar das cenas (lembranças? Devaneios?) cria um clima hipnótico e a fotografia claro-escuro nos delicia a visão. Os personagens secundários neste filme são pastiches de seres humanos, vagas lembranças cujas conversas se repetem eternamente, personagens mortos há muito tempo e que ainda montavam guarda (mais ou menos congelados) nos corredores deste hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgrube, repleto de espelhos e Tromp L´oeil, no qual o tempo e o espaço estão em constante mutação, na narrativa circular e onírica construída por Resnais, com uso de imagens provocativas e linguagem experimental, com uma estudada qualidade de coisa sonhada, violando uma série de convenções então vigentes na edição, cinematografia e continuísmo. Algumas frases neste filme me lembraram um metrônomo, marcando o tempo, um tempo mental diferente do tempo cronológico.

Seria a memória aqui um arquivo do passado vivido, um processo criativo, um devaneio fantasioso? Assista o filme e me diga.

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