Eu respeito quem traz uma grande dor e não sai espalhando sorrisos à toa, mas me enervo com quem fecha a cara por simples falta de humor. Palavrinha mágica, esta: humor. Não me refiro a quem faz piadinhas a todo instante, e sim a quem possui inteligência suficiente para saber que é preciso relevar as incomodações, curtir as diferenças e ser generoso com o que acontece a nossa volta. Humor significa ter um espírito aberto.
Esta é a resposta para quem pergunta qual é a fórmula da felicidade – alguém ainda pergunta isso? Eu responderia: ter o espírito aberto, só. O resto vem. Amigos, amores, oportunidades, até saúde: a fartura disso tudo depende muito da sua postura de vida. Não é evidente?
Eu já fui um caramujo ambulante, daquelas criaturinhas desconfiadas, que torcia o nariz para tudo o que não fosse xerox do meu pensamento. Desprezava os diferentes de mim e com isso, claro, custava para encontrar meu lugar no mundo. Era praticamente um autoboicote. Me trancava no quarto e achava que ninguém me compreendia. Ora, nem podiam mesmo. Aliás, nem queriam.
Um dia – e ainda bem que este dia chegou cedo, no final da adolescência – eu pensei: calma aí, quem vai me salvar? Jesus? John Lennon? Percebi que o mundo era maior do que o meu quarto e que eu tinha apenas duas escolhas: absorvê-lo ou brigar contra ele. Contrariando minha natureza rebelde, optei por absorvê-lo. Abracei tudo o que me foi oferecido, deixei de me considerar importante, comecei a achar graça da vida e, com a passagem dos anos, só melhorei, não parei mais de me desobstruir, de lipoaspirar mágoas e ranzinzices – a não ser que desejasse posar de poeta maldita, o que não era o caso. Me salvei eu mesma e fui tratar de aproveitar cada minuto, que é o que venho fazendo até hoje.
Quando alguém me diz “como você tem sorte”, penso que tenho mesmo. Mas não a sorte de receber tudo caído no colo, e sim a sorte de ter percebido a tempo que nosso maior inimigo é a falta de humor. Sem humor, brota preconceito para tudo que é lado. A gente começa a ter mania de perseguição, qualquer coisa parece difícil e uma discussãozinha à toa vira um dramalhão. Prefiro escalar uma montanha a viver desta forma cansativa.
Espírito aberto. Caso você não tenha recebido gratuitamente na sua herança genética, dá pra desenvolver por si próprio.''
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