Olhar e Caminhar
Viver é, entre tantas outras escolhas, uma opção que se faz entre um caminhar lento onde a busca pela descoberta do mundo que nos envolve é saboreada em cada detalhe e aquele caminhar que segue resoluto, focado numa rota traçada,
testando qual entre tantas possíveis é a mais eficiente levada para que cheguemos logo ao alvo de um desejo, que se constrói com uma ação contínua e planejada.
Aquele que caminha sem vislumbrar, de tempos em tempos, o lugar onde quer chegar, tende a chegar a um lugar que não lhe agrada, não lhe acrescenta, não lhe faz bem.
Quem se deita placidamente no barco da sua própria vida, levado pelas correntezas, corre o risco de bater nos rochedos do desperdício daquilo que não pode ser jamais reposto, como o tempo. Há oportunidades que fazem a gentileza de aparecerem mais de uma vez, mas o tempo este segue sempre, inabalável e insensível.
Quem se deixa disponível para tudo que surge em seu caminhar, quem dedica
seu esforço, sua atenção, seu espírito explorador ao que se apresenta, sem um necessário julgamento sobre a pertinência daquela descoberta para o atingimento dos próprios ideais, sobre a utilidade daquilo para a própria
evolução, acaba desperdiçando a si próprio.
Por outro lado, olhos atentos ao que se descortina a sua frente enquanto você percorre o caminho planejado podem se deparar com oportunidades de aprendizado, sequer imaginadas, que trazem com o canto de sereia da novidade, um avivamento do espírito explorador, que nos leva a conhecer o mundo e a nós mesmos. Não raras vezes descobrimos que o caminho não-traçado é uma fonte mais rica de significados que a rota traçada no nosso mapa de tarefas por fazer!
Não há posição que seja válida e a mais acertada para todos os momentos da vida, as situações são complexas, tanto o sucesso quanto o fracasso tem causas multifatoriais que se interagem entre si de formas negativas e positivas, potencializando-se ou anulando-se umas às outras. É preciso ter sensibilidade para harmonizar conceitos antagônicos nas atitudes e nas ações que empreendemos a cada momento, pois a vida tem movimentos que não aceitam as rédeas das nossas convicções. Há situações onde um vento que nos conduz dentro de uma mesma linha de raciocínio pode ser entremeado por uma rajada de contraditório, durante a qual aquele que navega sua própria vida deve virar o leme em outra direção, sob pena de naufragar na busca de seus propósitos.
Neste momentos, o melhor a fazer é escolher dentre a caixa de ferramentas de tudo o que aprendeu, qual lição será útil naquele momento de contraponto à evolução de uma melodia.
Nos resta então, a cada momento, fazer esta opção entre o foco no observar o que há no caminho e o olhar pragmático para a mecânica do caminhar que nos permite avançar rumo ao destino ao qual queremos chegar. Nos cabe buscar o equílibrio, nem ser aquele que se deita no barco à deriva, nem o cavalo com antolhos que cavalga no máximo de sua capacidade, sem se dar conta sequer onde suas patas tocam o solo.
Viver com sabedoria é saber encaixar verdades contraditórias,
e não cair no erro de acreditar que uma verdade está sempre certa.
La barque pendant l'inondation a Port Marly (1876) - Alfred Sisley - Musée D'Orsay